30 de abril de 2008

Passeio Noturno – Parte I

Rubem Fonseca

Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar. Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não vida as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar? A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta. Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens matérias, minha mulher respondeu. Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengoçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio. Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marcas. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas. A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.

25 de abril de 2008

Hoje vai ser diferente!

O post de hoje vai ser diferente mesmo sendo igual, em essência, da maioria dos outros posts desse blog.
Explicarei...

Será diferente porque hoje é sexta-feira! Os lamentos das sextas-feiras são pra lá de peculiares.
É impressionante como todas as sextas-feiras são vazias. Posso sair, beber e fazer de tudo que na teoria deveria servir pra diversão, mas minha sexta-feira vai ser sempre assim: morta. Por que não ousar e dizer que prefiro muito mais os domingos? Pensar nos domingos em uma sexta-feira é quase uma terapia.
Sei que poucos devem compartilhar comigo esse ódio pela sexta, mas pelas experiências e solidariedade com o domingo mantenho esse sentimento vivinho em mim. Acontece que todos os sentimentos ruins se juntam e festejam no último dia útil da semana. É uma festa de arromba! A nostalgia já chega jogando conversa fora (e haja conversa), a saudade marca presença (de mãos dadas com a nostalgia), até o ócio aparece! Ele pode ficar na festa somente uma horinha que vai dar a sensação de ter ficado 10! E é claro que tem a dona da festa, com passos exuberantes ela vem, toda glamourosa e cheia de ensejo... A solidão! Essa é danadinha! Ela não perde uma sexta-feira! Abre a festa, domina os outros convidados com seus modos e só dá uma acalmada no outro dia de manhã quando todos já estão dormindo. Que inveja!
Quanto aos outros, eles ao longo da semana vão acordando, preguiçosos, mas vão acordando... Afinal tem que arrumar os preparativos para a festa de sexta né!

"Ela não sabe quanta tristeza cabe numa solidão, eu sei que ela não pensa. Quanto a indiferença dói num coração, se ela soubesse o que acontece quando estou tão triste assim. Mas ela me condena, ela não tem pena, não tem dó de mim..."